segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Para os dirigentes europeus, a União é mais importante do que a democracia

Artigo de António Barreto no Público


Uma semana negra
António Barreto Retrato da Semana - 2007-10-14

Para os dirigentes europeus, a União é mais importante do que a democracia. A União Europeia está num impasse. Dizem eles. Há vários anos que a Europa se encontra em crise institucional, política e económica. É impossível gerir a União. Com 27 países, as instituições estão pesadas e as regras de funcionamento são verdadeiros obstáculos à competitividade. O desenvolvimento é difícil. A Europa estaria a perder perante os Estados Unidos, o Japão e a China. Desde a rejeição, pelos franceses e pelos holandeses, do projecto de Constituição, que a palavra "crise" faz parte do discurso quotidiano e obrigatório dos dirigentes e dos funcionários europeus. A União não fala a uma só voz. É preciso mais Europa. Mais União. Dizem eles.Por isso, os governos da União preparam-se para aprovar, esta semana, em Lisboa, ou mais tarde em qualquer outra capital, a absurda Constituição, ora rebaptizada de Tratado. Os referendos negativos deixaram marcas. Refez-se uma Constituição, praticamente igual à anterior, como garantem os seus autores e se pode verificar nos textos já disponíveis. O Tratado é tão diferente da Constituição derrotada como um ovo branco é diferente de um branco ovo. No essencial, em tudo o que importa, a Constituição é a mesma. As mais importantes diferenças residem, por um lado, no nome. Por outro, no método. Isto é, os governos vão tentar tudo o que estiver ao seu alcance para não realizar mais referendos e não correr mais riscos. A elaboração deste Tratado foi feita em circuito fechado. A discussão em segredo. A aprovação será furtiva. Para os dirigentes europeus, a União é mais importante do que a democracia. E a Europa mais importante do que os povos europeus.Evitar os referendos, despachar a aprovação do Tratado e contornar o debate público são as prioridades de quase todos os dirigentes europeus. Que não se esquecerão, depois, de carpir sobre o "défice democrático europeu" e a "distância crescente entre dirigentes e cidadãos". Portugal, em especial, tem os mais medíocres pergaminhos democráticos. Nunca o povo se pronunciou sobre qualquer decisão relativa à Europa, nem a adesão, nem os grandes tratados. Assim continuará. Está definitivamente assente que todas as questões europeias se resolvem de uma só maneira: com dinheiro. Um dia se perceberá que os fundos não resolvem e que o dinheiro não compra tudo. Salvar a União da crise parece ser a grande causa que inspira os seus dirigentes e que os leva a tentar convencer os seus concidadãos. O problema é que eles mentem descaradamente. Tanto os membros da Comissão como os primeiros-ministros. Ou, antes, fazem propaganda enganosa e oferecem ilusões. Na verdade, a Europa vai bem. A União também. Nestes anos de "crise", a Europa tem-se portado bem. Sem Constituição, sem federação, sem presidente, sem ministro dos Negócios Estrangeiros Europeu e sem as novas regras de funcionamento, a União e a Europa viveram em paz, sem riscos evidentes. Exibem (com a excepção de Portugal) taxas de crescimento económico interessantes. Quase todos os seus membros (com excepção de Portugal) conseguiram reduzir o desemprego. Cumprem, melhor do que os outros, os objectivos ambientais. Estão a realizar, uns devagar, outros mais rapidamente, reformas da segurança social e dos sistemas de saúde pública, duas das maiores dificuldades de todos os Estados-providência. Foi-lhes possível, sem desastres nem querelas fatais, tomar posições diferentes, muito diferentes, a propósito da guerra do Iraque. Em conjunto, estão a tomar a dianteira no esforço humanitário no Darfur. Em conjunto, tomaram iniciativas interessantes no Próximo Oriente. Alguns dos seus membros, especialmente a Grã-Bretanha, têm mesmo conseguido, sem Constituição europeia e sem euro, crescer economicamente e progredir socialmente mais do que vários dos seus parceiros. A União tem resistido bem aos efeitos negativos ou ameaçadores da globalização, da deslocalização de empresas, da desregulação de vários mercados e da concorrência de países de trabalhos forçados. Mesmo a ovelha ronhosa da União, Portugal, cuja economia cresce pouco e cujo desemprego sobre muito, tem um razoável estado de saúde. Tudo isto, sem Constituição, em "crise" e a viver num "impasse"!Ainda não se sabe se, nesta semana, os primeiros-ministros conseguem ou não ultrapassar as reservas da Polónia e da Grã-Bretanha, além de outras menos faladas. Mas essas discussões são já o prato do dia destas reuniões. E as dificuldades processuais ampliadas são parte integrante da encenação europeia, cujo desígnio é o de desviar a atenção para estas peripécias, a fim de convencer os cidadãos dos grandes feitos levados a cabo nestas reuniões. As "grandes vitórias" de Sócrates, de Sarkozy, de Merkel e de todos os outros serão anunciadas brevemente. Tarde ou cedo, haverá acordo e Tratado. E quase todos estão disponíveis para evitar os referendos e proceder, assim, sem a voz dos povos, à liquidação dos parlamentos nacionais. Estes serão, de futuro, tão importantes como uma Associação de Antigos Estudantes ou como a Confraria do Besugo. Os dias que aí vêm são o princípio da morte da democracia nacional. Sem que haja uma democracia europeia que a substitua e a melhore. É pena que a presidência portuguesa seja a agência funerária. Que o primeiro-ministro português seja o mestre-de-cerimónias. E que o cangalheiro, presidente da Comissão, seja também português. Triste vocação!

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Analfabetos... mas diplomados (No Público de hoje)

Analfabetos... mas diplomados
Santana Castilho - 2007-10-09

A dura realidade é que a maioria não se preocupa com as escolas nem com o que lá se aprende, mas com o diplomaAs comemorações do 5 de Outubro foram marcadas pelo discurso de Cavaco Silva, que escolheu a educação para tema principal. Poderia analisar as palavras do Presidente da República cruzando o que agora disse com o que fez quando era primeiro-ministro. Ou pondo em confronto a crítica à política seguida para o sector, implícita no verbo cuidado de hoje, com o apoio explicitado em actos precipitados de ontem, que tanto serviram a mesma política. Prefiro aproveitar, interesseiramente, o efémero sobressalto que as palavras do Presidente provocaram na consciência do país para, explorando essa sensibilidade passageira, pôr em evidência alguns factos que me parecem relevantes, a saber:
1. Abundaram, nas análises que se seguiram, as habituais retóricas que transformaram o círculo num quadrado. Sócrates destacou-se. Viu no discurso um incentivo ao seu Governo, mesmo que Cavaco tenha considerado uma perda de tempo a desastrosa produção legislativa que o caracteriza e que António Barreto tão bem ridicularizou no último artigo aqui dado à estampa. Mesmo que Cavaco tenha remetido para o limbo do esquecimento a febre tecnológica de fachada, que transformou ministros em vendedores da TMN, e tenha preferido pôr a tónica nos recursos humanos da educação. Mesmo que o Presidente tenha apelado para o envolvimento das comunidades na escola, enquanto o Governo prossegue numa política centralizadora e recuperadora das mais retrógradas lógicas de hierarquia vertical. Mesmo que Cavaco tenha pedido respeito pelos professores, enquanto o Governo tudo tem feito em sentido contrário.
2. Maria de Lurdes Rodrigues e Mariano Gago primaram pela ausência, não ouvindo, de viva voz, o discurso que interessava às áreas que tutelam e foi conhecido com antecedência. Podem assessores debitar justificações evasivas, que não apagam o significado político do facto. Tanto mais quanto é patente, no caso da primeira, a aversão que tem a perguntas incómodas e a inabilidade visceral para resistir a palcos adversos.
3. O apelo do Presidente da República para que os cidadãos e as autarquias aumentem a participação na vida das escolas é apenas mais um, retórico e inconsequente. A realidade pode ser dura, mas não está dissimulada: a maioria não se preocupa com as escolas nem com o que lá se aprende, mas com o diploma. A maioria, tal como o Governo, não se incomoda particularmente com o facto de o sistema gerar analfabetos... desde que os diplome. Participação? A lei vigente prevê, há anos, o funcionamento dos Conselhos Municipais de Educação. Que resultados se conhecem? Quantos funcionam?
4. Se a Escola Pública, que a República democratizou, tivesse logrado formar os cidadãos que almejava, não seria possível termos hoje um desemprego de professores como nunca foi visto; uma precariedade da profissão docente nunca imaginada; um regime de avaliação dos profissionais do ensino injusto, retrógrado, grosseiramente impracticável, que trará o caos às escolas; um Ministério da Educação que não cumpre as leis que cria e é condenado continuadamente nos tribunais, sem consequências de natureza política. Se a Escola Pública tivesse logrado formar os cidadãos que devia, não teríamos um primeiro-ministro a ousar aconselhar os jornalistas a não confundirem os professores com os sindicatos, como se não fosse bem mais expressiva a relação entre estes que aquela que existe entre os filiados do partido político pelo qual foi eleito e os portugueses independentes de qualquer canga partidária! Professor do ensino superior

sábado, 14 de julho de 2007

No Público de Hoje

«Vêm estas considerações a propósito de um artigo de opinião (PÚBLICO de 6 de Julho) de um ilustre advogado sobre a actual ausência de rigor no sistema de ensino. Em primeiro lugar, com todo o respeito por esse senhor, respeito devido a qualquer cidadão, infelizmente assiste-se hoje a uma vertigem de publicações de notáveis sociais com as mais diversas opiniões sobre tudo e sobre qualquer coisa. Em segundo lugar, isto deriva em consequências imediatas; sobre o elogio à proposta do Partido Popular de exames em qualquer esquina, há a defesa dessa ideia, sustentada pela ideia de rigor na avaliação de tudo quanto é elemento do sistema de ensino. O que é inacreditável é o simplismo com que se aborda uma questão complexa do sistema educativo. Nem abordarei questões específicas sobre a real validade dos exames para quantificar a qualidade do ensino. Mas é trágico observar determinação na defesa de uma ideia quando não se apresenta qualquer argumento interno e substancial para a defesa desse rigor. Os formandos não sabem nada, os formadores nada fazem para superar isso. Na prática é esta a teoria argumentativa. Sobre a ideia consequente apontada de falta de estruturas pessoais que definam os indivíduos para as metas da competitividade laboral, sobre esta obsessão pela máquina liberal, como professor, defino como minha prioridade absoluta a formação dos indivíduos como seres pensantes e capazes de actuar em sociedade, de se reconhecerem pessoal e humanamente (e daí também como seres capazes de se integrarem na organização social e profissional). A primeira linha da competitividade na formação dos jovens é o conhecimento nas suas mais diversas vertentes. Os padrões económicos são uma necessidade de sobrevivência, não uma necessidade de essência do ser humano. E se isto é corporativismo, defenda-se acerrimamente. E, imagine-se, nem tenho nada a ver com sindicalismos da classe ou politiqueiros! Apenas um anónimo que sabe do que fala!»
Jorge Silva, professor
Braga

terça-feira, 19 de junho de 2007

Um retrato de Sócrates, por António Barreto

«A saída de António Costa para a Câmara de Lisboa pode ser interpretada de muitas maneiras. Mas, se as intenções podem ser interessantes, os resultados é que contam.

Entre estes, está o facto de o candidato à autarquia se ter afastado do governo e do partido, o que deixa Sócrates praticamente sozinho à frente de um e de outro. Único senhor a bordo tem um mestre e uma inspiração. Com Guterres, o primeiro-ministro aprendeu a ambição pessoal, mas, contra ele, percebeu que a indecisão pode ser fatal.

A ponto de, com zelo, se exceder: prefere decidir mal, mas rapidamente, do que adiar para estudar. Em Cavaco, colheu o desdém pelo seu partido. Com os dois e com a sua própria intuição autoritária, compreendeu que se pode governar sem políticos.

Onde estão os políticos socialistas? Aqueles que conhecemos, cujas ideias pesaram alguma coisa e que são responsáveis pelo seu passado? Uns saneados, outros afastados. Uns reformaram-se da política, outros foram encostados. Uns foram promovidos ao céu, outros mudaram de profissão. Uns foram viajar, outros ganhar dinheiro. Uns desapareceram sem deixar vestígios, outros estão empregados nas empresas que dependem do Governo. Manuel Alegre resiste, mas já não conta.

Medeiros Ferreira ensina e escreve. Jaime Gama preside sem poderes. João Cravinho emigrou. Jorge Coelho está a milhas de distância e vai dizendo, sem convicção, que o socialismo ainda existe. António Vitorino, eterno desejado, exerce a sua profissão.

Almeida Santos justifica tudo. Freitas do Amaral reformou-se. Alberto Martins apagou-se. Mário Soares ocupa-se da globalização. Carlos César limitou-se definitivamente aos Açores. João Soares espera. Helena Roseta foi à sua vida independente. Os grandes autarcas do partido estão reduzidos à insignificância. O Grupo Parlamentar parece um jardim-escola sedado. Os sindicalistas quase não existem. O actual pensamento dos socialistas resume-se a uma lengalenga pragmática, justificativa e repetitiva sobre a inevitabilidade do governo e da luta contra o défice. O ideário contemporâneo dos socialistas portugueses é mais silencioso do que a meditação budista. Ainda por cima, Sócrates percebeu depressa que nunca o sentimento público esteve, como hoje, tão adverso e tão farto da política e dos políticos. Sem hesitar, apanhou a onda.

Desengane-se quem pensa que as gafes dos ministros incomodam Sócrates. Não mais do que picadas de mosquito. As gafes entretêm a opinião, mobilizam a imprensa, distraem a oposição e ocupam o Parlamento. Mas nada de essencial está em causa. Os disparates de Manuel Pinho fazem rir toda a gente. As tontarias e a prestidigitação estatística de Mário Lino são pura diversão. E não se pense que a irrelevância da maior parte dos ministros, que nada têm a dizer para além dos seus assuntos técnicos, perturba o primeiro-ministro. É assim que ele os quer, como se fossem directores-gerais. Só o problema da Universidade Independente e dos seus diplomas o incomodou realmente. Mas tratava-se, politicamente, de questão menor. Percebeu que as suas fragilidades podiam ser expostas e que nem tudo estava sob controlo. Mas nada de semelhante se repetirá.

O estilo de Sócrates consolida-se. Autoritário. Crispado. Despótico. Irritado. Enervado.

Detesta ser contrariado. Não admite perguntas que não estavam previstas. Pretende saber, sobre as pessoas, o que há para saber. Deseja ter tudo quanto vive sob controlo.

Tem os seus sermões preparados todos os dias. Só ele faz política, ajudado por uma máquina poderosa de recolha de informações, de manipulação da imprensa, de propaganda e de encenação. O verdadeiro Sócrates está presente nos novos bilhetes de identidade, nas tentativas de Augusto Santos Silva de tutelar a imprensa livre, na teimosia descabelada de Mário Lino, na concentração das polícias sob seu mando e no processo que o Ministério da Educação abriu contra um funcionário que se exprimiu em privado. O estilo de Sócrates está vivo, por inteiro, no ambiente que se vive, feito já de medo e apreensão. A austeridade administrativa e orçamental ameaça a tranquilidade de cidadãos que sentem que a sua liberdade de expressão pode ser onerosa. A imprensa sabe o que tem de pagar para aceder à informação. As empresas conhecem as iras do Governo e fazem as contas ao que têm de fazer para ter acesso aos fundos e às autorizações.

Sem partido que o incomode, sem ministros politicamente competentes e sem oposição à altura, Sócrates trata de si. Rodeado de adjuntos dispostos a tudo e com a benevolência de alguns interesses económicos, Sócrates governa. Com uma maioria dócil, uma oposição desorientada e um rol de secretários de Estado zelosos, ocupa eficientemente, como nunca nas últimas décadas, a Administração Pública e os cargos dirigentes do Estado. Nomeia e saneia a bel-prazer. Há quem diga que o vamos ter durante mais uns anos. É possível. Mas não é boa notícia. É sinal da impotência da oposição. De incompetência da sociedade. De fraqueza das organizações. E da falta de carinho dos portugueses pela liberdade.»

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Uma entrevista que...

... ajuda a pensar (n)o mundo actual através da História...

A política, os conflitos internacionais, e muito mais.


Entrevista com Arno J. Mayer, 2002 -
aqui.

domingo, 14 de janeiro de 2007

"O mundo não é um infantário"

(No Público de hoje)

«O MUNDO NÃO É UM INFANTÁRIO
frei Bento domingues, o.p.


1.Não é preciso recorrer à clarividência de Freud para ver que o mundo não é um infantário.
Num infantário normal está tudo preparado para dar conforto, segurança e prazer às crianças, mas só nos sonhos de um paraíso perdido é possível ver o mundo, fruto do azar ou de um desígnio, organizado para nosso prazer.
Esta observação vem a propósito de duas grandes notícias da passada semana: o futuro da União Europeia e o da guerra no Iraque.
A União Europeia não nasceu para ser um jardim de delícias como, às vezes, se imagina. As novas gerações devem saber que foi o fantasma de duas terríveis guerras mundiais, no espaço de 20 anos, com dezenas de milhões de vítimas, que esteve na origem da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951) e dos Tratados de Roma (Comunidade Económica Europeia e Comunidade Europeia da Energia Atómica), assinados em Março de 1957.
Dominados pelas dificuldades e desencantos no processo da construção da União Europeia, não reparamos no alcance civilizacional desse acontecimento económico de há 50 anos. Teve, no entanto, o mérito incomparável de manter viva a convicção de que as guerras não resolvem nenhum problema. Só os multiplicam. Diz-nos que a solução para os conflitos não se deve procurar na guerra, mas na cooperação. O apelo às armas, que se ouve por todo o lado, vem do terrorismo e do combate terrorista ao terrorismo. Serve, apenas, para alimentar o círculo vicioso da violência e os negócios associados à indústria bélica.
Apesar de todos os cépticos, meio século depois, já são 27 países a verificar que a União Europeia, a que aderiram, não é nem um infantário - um lugar de vantagens sem deveres nem encargos - nem uma tarefa impossível, embora pouco e mal explicada aos cidadãos. É um projecto económico, social e político extremamente difícil, para realizar a união na diferença dos seus povos e para não regressar às velhas rivalidades entre Estados. Terá de contar sempre com soluções de compromisso. Os europeus não pertencem a uma só cultura, a um só clube político e a uma só religião. É normal que as dificuldades da caminhada, com ritmos tão diferentes, provoquem miragens e desilusões. Sem ter ainda resolvido os problemas da sua Constituição, para enfrentar os desafios da globalização económica, a questão energética e as alterações climáticas, para lançar pontes em todas as direcções, especialmente com África, a União Europeia está a reconhecer que precisa de um novo folgo e de novos impulsos.

2. A Europa não é só uma questão interna. No diálogo ibérico, no contexto europeu e mundial, entre Mário Soares e Federico Mayor Zaragoza, ex-director-geral da UNESCO (1), o grande desejo é que a Europa seja, para o mundo, "um farol de democracia", favorecendo, em toda a parte, a interlocução, e de um modo muito especial com os EUA, sem qualquer seguidismo, para se ir forjando uma nova visão, em que a palavra substitua a força e em que se recupere um rumo baseado nos direitos humanos, no pluralismo e na justiça. Acontece que as democracias nos países mais adiantados - América do Norte e a União Europeia - estão, desde o colapso mundial do comunismo, a transformar-se, paulatinamente, em plutocracias... O poder real é o poder económico-financeiro, e esse não é regido por regras democráticas. Não basta repetir que a União Europeia está, desde há anos, sem uma política externa autónoma e concertada entre os seus membros e incapaz de avançar para uma reforma das suas instituições. Vetado o Projecto de Constituição, pela França e pela Holanda, é mantida pela burocracia, sem um rumo seguro que a levaria, por contágio, a ter um alcance democrático em todo o mu ndo.
Mas será que o mundo precisa da União Europeia? Precisa, e por várias razões: para que a grande recomposição geoestratégica em curso, num mundo globalizado e sem preocupações éticas, possa ser equilibrada, para que a política venha a comandar a economia (e não o contrário), para que as grandes causas humanistas - a luta pela paz e pelo direito contra a pobreza e em defesa do planeta ameaçado, pelo acesso à educação e ao bem-estar, sem discriminações - possam tornar habitável um mundo de conflitos.

3. É evidente que o mundo não é um infantário, mas não tem de ser uma selvajaria. Hoje, é bastante consensual que a desgraça em que o Iraque foi transformado resultou de uma articulação de várias mentiras e da confiança no poder das armas para impor um regime colonial. Na passada quinta-feira, a RTP2 transmitiu o retrato de um pelotão de soldados norte-americanos feito na devastada cidade de Fallujah, no lraque, durante o Inverno de 2003, intitulado, "Ocupação: a Terra dos sonhos". Um iraquiano tentava explicar a um grupo de soldados: a América pode ir à Lua, pode fabricar armas nucleares, não pode produzir um povo. Nós não podemos aceitar o colonialismo.
Como foi possível que os EUA, com uma democracia exemplar, com as melhores universidades do mundo, com os melhores institutos de investigação em todos os domínios, com os melhores centros de informação, tenham desencadeado, no Iraque, a maior selvajaria dos últimos tempos?
A grande ameaça vem da associação do poder do dinheiro com o poder das armas e com o poder dos grandes meios de comunicação transformados em publicidade. Uma pequena minoria, senhora do dinheiro e das armas, enganou o povo americano.
Segundo o PÚBLICO (11.01.2007), Condoleezza Rice acaba de anunciar a criação de um novo Prémio de Diplomacia, a conceder anualmente a uma empresa, instituição académica ou outra organização não-governamental e mesmo a indivíduos que se destaquem na promoção da imagem dos EUA em outros países, através de iniciativas de "compreensão intercultural". O galardão, que recebeu o nome de Benjamin Franklin, pretende motivar aquelas organizações a desempenharem um maior papel na diplomacia, no momento em que a imagem do governo norte-americano tem vindo a deteriorar-se a nível global e, especialmente, no mundo árabe e muçulmano, desde a invasão do Iraque.
Talvez não fosse pior gastar esse dinheiro com uma boa equipa de psiquiatras que se ocupassem da sanidade mental da administração Bush.
(1) "Um Diálogo Ibérico no
Contexto Europeu e Mundial", Lisboa, Temas e Debates, 2006. »